‘O escritor precisa ir além da inspiração’, diz André Vianco
O preconceito em relação aos autores que escrevem fantasia, terror e ficção científica diminuiu muito desde que o escritor André Vianco lançou seu primeiro livro, “Os Sete”, um romance de sete vampiros portugueses, que despertam de seu sono eterno para aterrorizar a cidade de Amarração, no Rio Grande do Sul, que foi lançado no início da década passada.
Porém, Vianco percebe que autores brasileiros que se propõe a escrever grandes sagas de fantasia, por exemplo, acabam desistindo de seus projetos e que as “majors” do audiovisual ainda têm dificuldade de encontrar obras de terror nacional. Para ele, que já vendeu mais de um milhão de exemplares de seus livros, isso acontece porque os escritores do País ainda ficam presos na inspiração.
Vianco explica que a inspiração é onde tudo começa. Mas o autor precisa ir além e utilizar ferramentas intelectuais de forma consciente, para seduzir e fidelizar seus leitores, de maneira que eles acompanhem a obra, página a página, até o fim.
Além de escrever romances e roteiros, Vianco descobriu que adora ensinar essas técnicas de magnetização da recepção para os novos autores, em suas newsletters da Vivendo de Inventar e também pela Hardcover. Um pouco desse conhecimento foi transmitido para quem participou de sua palestra na Biblioteca Municipal Nilo Peçanha, em Birigui, na semana passada.
Confira a entrevista que André Vianco concedeu ao DN1:
DN1: Hoje, os autores de literatura fantástica ainda sofrem preconceito? Como eles são tratados atualmente em comparação com a época em que você começou sua carreira de escritor?
André Vianco: Acho que o preconceito é bem menor. Mas sempre tem aquela questão: por que as pessoas preferem os autores internacionais? Por que um autor nacional de fantasia, quando se propõe a escrever uma saga de cinco volumes, por exemplo, vai perdendo a força até o projeto desaparecer ou ser cancelado? Isso tem a ver com o que eu propago na minha newsletter Vivendo de Inventar (https://www.vivendodeinventar.com.br/). Quando um autor se propõe a ser um escritor profissional, ele precisa ter mais do que inspiração. A inspiração é onde tudo começa, mas é preciso ter também o equipamento intelectual, para criar a fidelização do leitor e um magnetismo de uma obra para a outra. Nossa luta é árdua, de página a página. Curiosamente, continua havendo muito preconceito nas grandes “majors” de audiovisual, porque elas não encontram nas obras brasileiras esse constructo do storytelling. Nós temos obras geniais que despontam por aí, como “Bacural” e “Condado Macabro”. A gente tem uma tradição de produzir audiovisual e, há um tempo, escritores renomados, como Heitor Dhalia e Vicente Amorim, estão procurando a fantasia. As “majors” ainda têm um pouco de dificuldade, porque os roteiristas ainda não compreendem como é a construção do roteiro de terror e fantasia. Falo isso sem arrogância nenhuma. É só uma questão de entender a atmosfera que é preciso ser criada, para que aquele produto corresponda às expectativas de quem vai exibir.
DN1: E como está o mercado do livro em comparação com a época em que você lançou “Os Sete”?
AV: Nós estamos em um grande momento bom, em que o autor poder iniciar a carreira de forma independente, sem precisar de uma editora para começar a gerar uma rede de leitores e a ter um volume de vendas. O conforto depois que você vai para uma editora é que ela organiza sua carreira, as vendas, a logística de entregar o livro. Você não tem mais uma preocupação com isso. Mas até nessa questão da logística estão chegando aí facilitadoras voltadas para autores independentes. Elas pegam os livros onde são produzidos, fazem a entrega e você entra como se fosse um market place de distribuidora. Você só precisa ter um link para vender sua obra e ter audiência. A audiência agora não é composta só de leitores. Você precisa trabalhar nas redes sociais. Eventualmente, o dinheiro que você iria gastar para visitar livrarias físicas distantes, fazer alguma ação, estar presente em uma feira, você guarda para fazer um investimento mensal de R$ 150 ou R$ 200 em impulsionamentos no Facebook ADS. O autor está nesse mundo. É o “Autor 5.0”, como costumo chamar. Ele precisa entender que tem vários ganhos se os anúncios estão funcionando, se as pessoas estão clicando e conhecendo seu livro. Não é só o livro vendido que é um ganho. Se um autor leu a sinopse do seu livro existe um ganho. Ele vai compreender aquele mundo que você propôs e guarda seu nome. De repente, ele não vai comprar agora, mas salva sua obra nos favoritos para depois vê-la. Ou conhece uma pessoa e diz para ela: “achei um livro muito interessante, talvez você goste”. Existe também a estratégia de publicar contos e disponibilizá-los gratuitamente para que a sua base de leitores aumente. Eu mesmo consegui me liberar agora para poder postar contos inéditos e independentes.
DN1: Como é seu processo de escrita? Você tem alguma rotina?
AV: Eu tenho rotina, mas não tenho rituais. Existe muita coisa folclórica, como o escritor que acende uma vela, toma um vinho ou escreve à meia-noite. Eu sou tão banal nisso que é até chato. Você precisa ser disciplinado, porque é fácil abrir uma aba no Google e pesquisar sobre alpinistas no Himalaia, depois abrir outra para saber como fazer café com folhas de bananeira e se perguntar: como eu cheguei até aqui? É preciso ter foco, evitar distrações. Eu tenho a minha “melhor hora”. É logo quando eu acordo, por volta das 6h30, e vai até as 10h ou 11h. É o meu horário de estar dedicado à literatura ou a roteiros. Não sei explicar. É algo fisiológico. As intemperanças do dia ainda não bateram na minha porta. Eu tenho três filhas, esposa, depois têm as demandas domésticas, e isso gera interferências. Divido o meu dia assim: a manhã, majoritariamente, é dedicada à literatura; à tarde eu cuido muito de audiovisual se estiver na agenda, redes sociais; e, à noite, eu cuido da Hardcover e da Vivendo de Inventar, produzindo material, como as dicas da semana e os vídeos, o engajamento, vou ver como os anúncios estão indo. Tem todo esse outro lado que eu descobri que adoro, que é ensinar para os novos autores. Quando eu procurei não tinha em lugar nenhum. Se tinha era teoria pura, sem uma tradução para a gente, que finge que entendeu e sai; ou escrita criativa, mas extremamente voltada para a estética, partindo de uma escolha não objetiva. Não existe na literatura “escrever errado” e eu digo isso centenas de vezes. Às vezes, com três palavras você já emociona o leitor. Porém, eventualmente, aquele autor tem o desejo de viver de escrever, de produzir literatura. Olhe essa palavra: “produzir”. A gente começa a sair do mundo glamuroso e onírico de um escritor, que escreve uma obra e vive dela. Não. Escritor tem que escrever todo dia e, preferencialmente, escrever um romance por ano. Caso contrário, seu nome vai sumindo do mercado.
DN1: Você está preparando alguma novidade para os seus leitores?
AV: Uma novidade que posso adiantar é um link da Storytel, que vou enviar pela minha newsletter Vivendo de Inventar, o qual permite ouvir todo o catálogo da empresa, incluindo os meus livros, gratuitamente por 30 dias. A Storytel é uma empresa da Noruega, que é como o Spotfy, só que um Spotfy para literatura. Outra novidade é que, em outubro ou novembro, será lançado o meu novo livro, que vai sair primeiro em audiobook e, só muito depois, em papel. É uma história deslumbrante. Antes de vir para a palestra, estava no hotel dando uma mexida nas notas finais. Espero que vocês adorem. Para o ano que vem, está previsto o lançamento do livro “40 Luas”. Assim que terminar essas notas finais, estarei em São Paulo escrevendo “40 Luas”. Todo mundo está me cobrando as “Crônicas do Fim do Mundo 2”, que está quase pronto. Só está em um estado de “stop” por questões de contrato. Estou com uma agente literária agora que está reformulando os contratos, porque o mercado das livrarias físicas, nos últimos anos, sofreu um desmoronamento, que provocou um impacto profundo nas editoras. Todas as estratégias postas tiveram que ser alteradas. Por isso estão segurando as “Crônicas do Fim do Mundo 2”, mas logo sai.
DN1: Você é uma inspiração para muitas pessoas que escrevem. O que você diria aos escritores que sonham em viver de seus livros?
AV: Escreva. Vai fundo! Leia muito. Não abandone a leitura. Muitos escritores ficam ensimesmados no que estão escrevendo e esquecem de ler. Quando eu digo: guarde um tempo para você escrever, está subentendido que ler faz parte do processo de escrever. É o alimento do escritor, que não pode escrever de “barriga vazia”. É preciso ter contato com outras cabeças, outros pensamentos, outros padrões de entrega intelectual. E não estou falando só de storytelling. É necessário ler também filosofia, antropologia, buscar o abrigo de mentes que viveram em outros tempos e pessoas que investiram muito tempo da vida para pensar, porque eram acadêmicas, e pensaram muito sobre a nossa arte de escrever. Então, se alimente dos teóricos. E não tenha medo de ser audacioso. Às vezes você tem uma história e se pergunta se alguém vai gostar dela. Cara, alguém escreveu o roteiro e produziram o filme “Sharknado”, que libertou todos nós. Se produziram “Sharknado” você pode escrever qualquer coisa que você quiser na sua vida. Meta as caras! No começo, quando eu lancei “Os Sete”, com sete vampiros portugueses, uma parte da comunidade dos leitores fez chacota por ser uma fantasia passada no Brasil e ter uma proposta comercial. Disseram que era um “livro caça-níquel”. Que bom que é caça-níquel. Eu sou um penny dreadful. Dependo de cada níquel, de cada penny, de cada centavo, de cada página lida. Preste atenção nas suas redes sociais. Elas transmutam, mas esteja presente. Guarde o e-mail de seus leitores. Esse contato é muito valioso. Crie uma landing page, onde você pode fazer a captura de e-mails. Você vai ter que investir em uma outra coisinha, que é o gerenciador de mail list. Existe uma infinidade de plataformas que fazem isso. É necessário porque, quando você tiver um livro para vender, você vai avisar uma base de pessoas interessadas no que você faz.