Flanando por aí

A verdade que o cemitério guarda – Por Ronaldo Ruiz Galdino

No último Dia de Finados, fui ao Cemitério da Consolação visitar o túmulo dos meus pais, após muito tempo sem ir lá.
Uma vez que não encontrei nenhuma barraca que aceitava cartão de crédito, colhi algumas flores por onde passei até a entrada do cemitério, morrendo de vergonha.

Como um amigo meu costuma dizer, o sol havia se levantado naquela manhã com os dois dedos do meio para cima em um céu sem nuvens. Lembrei-me com saudades de quando havia mais árvores no cemitério e ele era bem menor. O jazigo dos meus pais, por exemplo, fica muito longe da entrada, bem depois da capela, fechada atualmente para evitar aglomerações, e do lugar onde os evangélicos fazem um culto no Dia de Finados.

Depois de me perder entre quadras e lápides, encontrei o túmulo. Coloquei as flores em um vaso e me sentei. O piso estava muito quente. Olhei para a foto da minha mãe. Foi tirada no dia da minha formatura do ensino médio. Acredito que ela estava muito feliz. Reparei que precisava colocar a foto do meu pai também. Quantas vezes nós dois peregrinamos juntos aquele cemitério no passado?

Curiosamente, ao lado está enterrado um amigo dos meus pais, vizinho deles na roça, o qual morreu alguns dias depois da minha mãe. Ele, por sua vez, era avô de um grande amigo meu da época em que eu tocava numa banda de rock e que, infelizmente, também faleceu neste ano, por causa da covid-19.

Como de costume, contei os fatos recentes aos meus pais. De repente, senti uma enorme tristeza e comecei a chorar. Daria tudo para estar com eles numa tarde de um dia qualquer da semana, no velho barraco da minha infância, comendo um bolo de fubá com muita manteiga, acompanhado de um café bastante adoçado da minha mãe.

Foi quando descobri que aquele cemitério guardava uma verdade óbvia, mas que não vemos ou não queremos ver: todos nós vamos morrer. Tenho um tio que está enterrado a poucos metros dos meus pais. Eles estavam em seu enterro e nem sonhavam que ali perto, alguns anos depois, estaria a última morada deles neste mundo transitório.

Engraçado pensar que, quando eu era adolescente, adorava cemitérios. Meus amigos gostavam de ir lá à noite, beber vinho, falar de bandas de metal, poetas malditos e desilusões amorosas. Eu preferia ir à tarde, quando o sol estava mais ameno. Sentia ali uma imensa tranquilidade. Assim como os escritores românticos que lia na época, a morte me fascinava. Parecia-me um estilo de vida mais bonito o do post mortem.

Porém, naquele dia, já com meus trinta e tantos anos, percebi que tudo o que me encantava no cemitério — a paz, o canto dos pássaros, o farfalhar das árvores ao vento, a melancolia do sol sobre os túmulos — só me era possível desfrutar justamente porque eu estava vivo. Todos os que estavam ali embaixo não podiam apreciar mais nada daquilo.

Levantei-me. Enxuguei as lágrimas e me apressei a sair do cemitério. Precisava ir para minha casa, onde pulsava a vida: na minha esposa, nas plantas do jardim com seus insetos, nos meus cães, nos pássaros que pousam o tempo todo na janela da cozinha. Precisava celebrar a vida, mesmo que o dia fosse dos mortos.

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