Fiquei impressionado ao saber a quantidade de cartas que o escritor americano de horror cósmico H.P. Lovecraft escreveu. Alguns pesquisadores apontam mais de 100 mil correspondências! Através delas podemos saber muito da vida, do pensamento e da criação literária de Lovecraft. Por falar em cartas, acho que eu pertenço a uma das últimas gerações que as escreveram.
Certa vez, quando tinha uns 14 anos, meu nome e endereço saíram em uma coluna da revista do Cebolinha, destinada a quem queria fazer amizades à distância. Graças a isso, consegui dezenas de amigos e amigas em todas as partes do Brasil, que nunca vi pessoalmente, mas pelos quais tinha grande carinho e consideração.
Conferia ansioso todos os dias a caixinha de correspondência de casa. Eu levava as minhas cartas até uma caixa dos Correios, que ficava perto de onde eu morava e hoje já nem existe mais. Geralmente, fazia isso uma vez por semana, no fim do dia.
Reservava um dia da semana para escrever. Tinha um monte de selos de um centavo para redigir cartas aos montes. Era um negócio charmoso. Nessas horas me sentia como os escritores que admirava e que mantiveram uma longa correspondência durante a vida.
Também enviei cartas para alguns amigos de infância que estavam presos. Nelas, a gente relembrava os bons momentos dos nossos tempos de menino que ficaram para trás e contávamos o que nos acontecia no dia a dia. Muitos deles me diziam que se corresponder comigo era um dos poucos momentos felizes que tinham na vida.
Ainda escrevi para programas de televisão, jornais e revistas, concursos literários e de quadrinhos, e promoções.
Aliás, acho que preciso mencionar aqui que foi por cartas que comecei a conversar com frequência com o sexo oposto. Ficava menos tímido por detrás das letras (mal) desenhadas no papel com caneta esferográfica.
Quando estava no segundo colegial até escrevi uma carta para uma menina por quem eu estava apaixonado. Fiquei com tanta vergonha depois que passei o dia escondido na biblioteca da escola.
Hoje, porém, só uso os Correios para receber ou enviar encomendas.
Mas para quê escrever cartas atualmente, alguém pode perguntar, se temos tantos meios de nos comunicar rapidamente, como SMS, WhatsApp, Messenger, directs e e-mails? Ou ainda uma boa e velha ligação telefônica pelo smartphone?
Por outro lado, fico pensando na dificuldade que biógrafos e historiadores do futuro terão para escrever sobre os nossos dias por causa da falta de correspondências. Se um dia nós perdermos toda essa nossa memória digital – o que não é difícil – aí, sim, os pesquisadores (humanos, baratas ou alienígenas lovecraftianos) terão uma imensa lacuna em seus estudos.
No entanto, imagine o tédio que eles teriam ao ler tantas mensagens eletrônicas como esta: “Oi, tudo bem? Segue em anexo o relatório do dia. Att”. Eles ainda achariam, por causa de tantas abreviações que nós usamos, o quanto nossa linguagem empobreceu.
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